Eles roubaram o meu nome

Prêmio Maximiano Campos 2009


“Eles roubaram o meu nome e me deixaram sem nada. E por isso eu me recolho, e cruzo as pernas, e fico calado diante de vocês”, balbuciou Gabriel. Os outros não compreenderam, e não quiseram, bêbado não deve ser entendido. Dentro em breve, era preciso forçá-lo a ir para casa, chamar um taxi, encontrar algum motorista evangélico capaz de rodar naquela hora da noite. Teriam que enfiá-lo lá dentro, pronunciar o nome de Deus algumas vezes, e rezar para que o passageiro chegasse em casa sem maiores prejuízos.

Antes que a paciência do grupo se esgotasse, Gabriel deveria permanecer bêbado na mesa, o braço levantado, refazendo os mesmo inícios, “Eles roubaram o meu nome. Vocês não sabem de nada. Eu estou falando de um crime. É isso que eu estou falando, um crime”. Os outros riam, comiam amendoim, fumavam, estavam satisfeitos. Quem sai de casa é para se entreter, e na mesa é preciso que haja alguém que dê ao grupo um motivo para permanecer reunido. Teriam sobre o que conversar no sábado seguinte.

Logo que sentaram na mesa, e pediram as primeiras cervejas, parecia haver em Gabriel mais do que uma simples necessidade de beber. E quando todos chegaram, e passaram a dividir o lugar com uma música barulhenta, ele já não mais falava, havia perdido o gosto de dizer qualquer coisa, e tinha queimado a garganta com quatro doses de cachaça. Parecia se preparar para alguma coisa, e ninguém sabia, e só foi com muita relutância que eles resolveram chamar sua atenção e finalmente perceberam, e começaram a rir, e comeram amendoim com mais gosto, e dividiram felizes as garrafas de cerveja.

“É pior do que um crime o que eu estou falando, porque nome não se rouba. Mas dá pra entender porque eles fizeram isso, ninguém é diferente, todos são iguais, e todos querem se divertir. Eles riam como vocês, e comiam amendoim como vocês, e não ligavam para nada, e por isso roubaram o meu nome”. Diante disso, os outros silenciaram um pouco, Gabriel poderia começar a ficar agressivo, aumentar a voz, bater na mesa, fazer qualquer coisa mais séria do que aquelas acusações sem propósito. No final das contas, palavra é palavra e pode se gastar de qualquer jeito, ninguém dá importância. Mas escândalo, garrafa quebrada, violência, isso ninguém tolera.

Os outros começaram a se preocupar, pedir calma, olhar para os celulares, chamar o garçom, pedir um taxi, e já quase seguravam Gabriel para imobilizá-lo quando viram que este havia se levantado e demonstrava mais determinação do que se poderia esperar de um bêbado. Ele desapareceu na distância, e os outros perceberam que os seus passos eram sóbrios, sem deslizes, e se dirigiam exatamente para o lugar onde um gol cinza havia estacionado algumas horas atrás.

No lugar vazio, deixado na mesa, os outros encontraram algumas cédulas e moedas. Gabriel tinha depositado a quantia exata de tudo que havia sido consumido naquela noite, não sobravam ou faltavam moedas. Ao lado das cédulas, havia uma nota que nada explicava: “Eles roubaram o meu nome, e continuam a roubar o meu nome. Assim será pelo resto da eternidade. Eu sou a prova viva de um crime.”




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