Dalgoberto


Existia um erro no inicio do mundo. Um erro. Só assim tudo se justificaria. Por isso, ele se sentia impelido a ocultar o próprio nome. Dalgoberto Vicente Ferreira da Silva. Era melhor que o chamassem apenas de Vicente Ferreira. Em tudo, havia um certo constrangimento. Qualquer coisa se escondia na fisionomia dos homens, nos silêncios e nos gestos. Havia alguma coisa que eles não queriam dizer, alguma coisa de impronunciável, mas que estava ali, como uma espécie de existência corrosiva, um erro.

Não podia falar demais. Tinha aprendido a omitir-se para conseguir escapar. Não podia dizer a cidade em que nascera e nem qual era a profissão dos pais. Em tudo, rondava o peso de um passado. Uma tradição. O juízo dos homens preenchendo todos os lugares. Ele tinha que viver aquele jogo até a exaustão. A roda dos homens, as roupas, as palavras. Era preciso saber representar.

Ele não podia esquecer nem por um momento. Um erro. Muito antes dele nascer e da sua mãe ter se tornado uma prostituta. Antes dele receber aquele nome de Dalgoberto ou da sua mãe se juntar com o rufião que viria a ser o seu finado pai. Anterior a tudo isso, era o silêncio dos homens. Qualquer coisa de obscura contornava os lugares . E ele sabia. Tinha consciência daquilo. Uma dor distante, perfurante, repontava em tudo que existia. E aquilo estava nele, e em todos. Uma tristeza que ninguém desejava ver, mas que o percorria por inteiro.

Ele era filho... de uma puta. Não era um palavrão. Não era como os outros diziam. Não era um ódio da mãe ou um simples desejo de ocultar-se. Não, nada disso. Era como chamar-se Dalgoberto mesmo sem gostar. Ter que encarar aquele nome quando anoitecia. O mesmo nome do seu finado pai. Ser obrigado a voltar para aquele nome sempre que o presente se afastava, e ele percebia que já não adiantava ter ido morar bem longe da cidade natal.



Copyright © 2010

0 comentários:

Postar um comentário