ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Cavalgada - Carybé
O diabo existe e não existe
De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícil, peixe vivo no moquém: quem mói no asp'ro não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei nesse gosto de especular idéia. O diabo existe e não existe. Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso... (2001, p. 26).
O diabo na rua, no meio do redemunho...
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem - ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum - é o que digo. O senhor aprova? (...) Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens, até nas crianças - eu digo. (...) E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... (2001, p. 26).